TEXTOS
INSTITUCIONAL, Fernando Azevedo
Em Espanhas, Leonardo Kossoy alude tanto à intolerância e à violência latentes da Inquisição e do fascismo – momentos marcantes na história do país – como à sensualidade cáustica e irreverente do cinema de Pedro Almodóvar. Encontram-se Espanhas em diáspora nas calçadas e vitrines de luxo de Nova York. Entre o medieval e o pop, entre o barroco e o pós-moderno, o tempo das imagens é simultaneamente real e onírico. Qualquer tentativa de narrativa histórica se perde diante das convoluções do imaginário do artista. Como marcas inconscientes, as Espanhas de Kossoy levaram uma vida inteira para serem construídas; como resposta às suas obsessivas viagens ao país, elas são ambiguamente imediatas, espontâneas e intuitivas.
Três gigantescos painéis na mostra são impressos em tela. A celebração da pintura, arte tão inerente à cultura espanhola, se espalha por toda a exposição. Dois grupos de fotos com imagens borradas e luminosas – em palheta de laranjas, vermelhos e azuis – têm o ritmo e a textura aparente de trabalho a pincel. Em sincronia com a pluralidade de seu tema, as estratégias fotográficas de Kossoy são também múltiplas.
Espanhas é um trabalho de paixão costurado de dentro para fora com fragmentos de uma relação quase que autobiográfica entre sujeito e objeto. Culmina com um movimento ousado em que o fotógrafo enfrenta o traiçoeiro estereótipo da tourada como síntese da alma espanhola. As fotos são belas, mas cruas e difíceis de olhar. O que predomina é um confronto seco e cinematográfico entre homem e besta que nos deixa perplexos e incapazes de tomar partido. Como faz por toda a exposição, Kossoy deixa seus espectadores no espaço vazio da arena, entre forças poderosas e contrárias. Num poema favorito do fotógrafo, Federico Garcia Lorca escreveu: “Sobre os ramos do loureiro vi duas pombas desnudas. Uma era a outra. E as duas eram nenhuma.”
Espanhas é uma exposição madura de um fotógrafo cada vez mais próximo de si mesmo.